Dona da Porrah Toda

"Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal e fazer tudo igual, eu do meu lado aprendendo a ser louco, maluco total, na loucura real..."

O DIA QUE NÃO TERMINOU - O FIM É APENAS O COMEÇO

“Finalmente alta hospitalar...”

Depois de quatro longos e intermináveis meses respirando o H2O artificial que enebria a atmosfera bactericida dos hospitais pelos quais passei, beber uma água sem gosto de cloro e respirar um ar com o não cheiro de ar, é como voltar a vida novamente, sobreviví.

Quatro meses de preparo e muita dor, muita mesmo, mas no final de tudo apenas um preparo para esta minha nova condição. Sair do hospital ainda se sentindo mal e doente não foi exclusividade do período em que me vi desenganada ou enganada por várias suspeitas e nenhum diagnóstico concreto; era um aprendizado na verdade para o que estava por vir e vou enfrentar daqui para frente. Acostumada culturalmente e até por experiências antigas de que hospital foi feito para se sair dele curado, tenho dificuldades ainda para lidar com esse novo entendimento. Estou doente, permanentemente doente, adquiri duas doenças auto-imunes (doença de crohn e retocolite ulserativa) e uma anemia rara que só complica meu estado (anemia sideroblástica), ambas sem cura, só dor, muita dor e remédios que visam controlar a dor já que a doença como eu disse não tem cura e a piora de uma forma ou de outra, hoje ou daqui alguns meses ou anos, ou decadas, com ou sem meu consentimento acontecerá.

Percebam que minha cabeça ainda está muito confusa sobre isso, é uma guerra interior a todo momento entre o ser que eu era e o ser que eu sou agora, duas pessoas completamente diferentes ocupando ainda o mesmo espaço. O que eu era não serei mais, por mais melhora ou remissão que eu venha a ter e isso me dificulta a rotina. Acostumada a uma vida hiperativa, sem tempo pra nada, me vejo agora limitada a condição e intensidade da dor que não pára. Hoje, levantar é uma vitória, conseguir lavar uma vasilha, dobrar o corpo, andar até o portão, ficar um tempo conversando sem que o corpo exija cama, é uma vitória. Com toda minha tendência a dramalhão mexicano, desta vez não há exagero ou sombreado literário no que escrevo. A doença é difícil, dolorosa e arrasa com a gente, tanto psíquica quanto fisicamente. Até coisas que parecem fáceis até mesmo ao mais moribundo dos doentes, falar, conversar, manter um diálogo, para nós com a doença ativa é doído. O corpo dói, o intestino contrai, retorce de uma forma que só o que nos resta é o isolamento, o abandono. Pois aos olhos de quem vê, assim como t.v não tem cheiro, um corpo alheiro ao seu não tem tato, não sente, não vê o que você passa por dentro e explicar isso nunca dará a quem não vive a sensação da dor exata que é. A dor por si já é algo subjetivo, essa doença então, mais egoísta de sintomas não há, mesmo entre os portadores, cada um com seu sofrimento, pois uns sentem mais que os outros, outros por vez não sentem a maior parte do tempo nada. É auto-imune, o próprio nome confere a honra, meu pior inimigo no momento, sou eu mesma.

Minha vida mudou, mudou pra pior sendo nua crua e realista, mas não me entendam pessimista, é só a condição da doença aliada ao meu jeito racional de enfrentar as coisas. Não posso me dar o direito de ser pessimista, salvo os momentos de deprê que querendo eu ou não acarretam esses sentimentos, afinal é impossível acordar todo dia com este conhecimento e agir como se não soubesse de nada, eu sofro, ando sofrendo muito com tudo isso, não me culpem, não tenho de ser exemplo de nada, não fiz esse compromisso. O único compromisso que fiz é o de viver, da forma, como e enquanto eu puder e conseguir; pra ver meu filho crescer, mas até isso é um compromisso a parte, já que o controle do meu destino é limitado ao que posso manipular e saber a hora de morrer ainda não faz parte do meu pacote de talentos, rs.

Aprender que a dor é subjetiva talvez seja a parte mais difícil neste meu estado, não por mim que sempre tive sensibilidade suficiente para entender e compreender a dor do corpo e da alma de cada um, mas pelos outros ou todos os outros com quem lido e lidarei daqui para frente. Nenhuma pessoa diferente ou indiferente ao que acontece a mim, porém pessoas impregnadas de preconceitos e conceitos sobre dor e sofrimento como se não fossemos humanos, não pudéssemos adoecer ou padecer de algo ao qual não temos controle ou mesmo o poder da cura. Normal, as pessoas estão acostumadas a doenças que tem cura, o que não tem está julgado e condenado e portanto abandonado a própria sorte. Infelizmente os que estão mais próximos nem sempre são os mais toleráveis ou compreensivos dos problemas que ultrapassam o movimento de rotação do seu próprio umbigo e creditam dor ou padecer verdadeiro somente ao que passam e nada mais. Alguns picados da minha família são assim.

Infelizmente digo também para mim, por ter em outra vida, se existe outra vida, acreditado que daria conta desse ajuntado de carma numa mesma vida, mas lido com isso da mesma forma que lido com tudo, afinal a gente só recebe da vida o que consegue carregar, nem mais nem menos, portando sigo meu caminho me fazendo e acreditando ser forte, mas me dando também o direito de paciente a que fui submetida, de prostar e protestar, de indignar, se rebelar mas não revoltar...revoltar não vai me trazer nada, além de mais crises de dor, e acredite, depois do que eu passei to querendo me ver livre de tudo que me estressa, preocupa e causa ansiedade, pois mesmo não tendo ligação direta com a ocorrência da doença, tem tudo a ver com intensidade da dor...meu sonho hoje é ser zen e essa é uma pratica a ser conquistada por enquanto só na base do remédio, já que dar calma a alguém hiperativo é como tirar doce de criança e exigir que ela não chore.

O que vi da vida ??? – Eu vi a morte pelo vidro da porta do isolamento me encarando com a testa colada no vidro só aguardando eu vacilar...eu vi o natal e o ano novo dos moribundos e toda tristeza que assola um dia de morte num hospital. Eu vi amigos que nem suspeitava que tinha me ligando, emanando energias boas e indo me visitar no hospital e a maioria da minha família (leia-se aqui família, composta basicamente de pai, mãe e irmãos) ignorando minha situação até não poder mais negar, mesmo assim, ainda negam. Ví meu namorido me abandonando num ataque de stress na primeira internação que fiz por não agüentar mais passar dia e noite de 15 dias dentro do hospital e vi o mesmo namorido chegando no meu leito no bater do meio dia em pleno dia de serviço já no ultimo hospital, aflito e temeroso de como ia me encontrar numa das pós crises mais tenebrosas que tive, já internada. Eu não vi meu sobrinho nascendo e nem seus primeiros dias de vida, porém o segurei nos braços a mais ou menos 4 dias e foi a melhor sensação da minha vida poder segurar uma nova vida em minhas mãos. Eu vi que “o troco” (trama que andava postando no meu blog) não faz mais sentido algum, não resolveu por isso nem foi pra frente e quer saber: hoje também serei inconseqüente, pois quero do meu resto de vida uma revanche diante do tempo, quero aproveitar do que posso e não lamentar o que não posso sob o olhar reprovativo de quem não entender que não posso mais. Quero não ligar de verdade quando alguém que não esteve a meu lado durante esse tempo me julgar apenas pelo olhar do que está vendo diante de si; e me desapegar totalmente da culpa que não tenho do outro ser como é. Quero curtir meu filho, meu namorido, conseguir e lutar por um dia sem dor, sem pânico, sem temor e medo da morte. Quero me acostumar com a idéia do que já nasci sabendo, a morte...a morte não virá em conseqüência do que tenho e se vir não é culpa da doença, eu vi no filme, os infratores, você já viu ? rs... o sujeito leva uma vida abestada e absurda de guerras e rinchas travadas, família que vai matando família, leva tiro de tudo quanto é jeito, tem a garganta cortada até a metade e morre com muito mais idade do que tinha, vive uma vida praticamente toda e morre em decorrência de uma coisa estúpida se comparada com o que viveu e sofreu e independente de ser um filme, apenas um filme, no final é isso mesmo, a gente vai quando é a hora da gente e nada mais. Cuidem-se mães, não empurrem suas aflições, não se entupam de analgésicos para ter a falsa sensação de que melhoraram. Não foi meu caso, mas foi o que eu mais ouvi, talvez o começo de tudo já estivesse dando sinais a mais tempo, mas o que dizer de uma doença auto-imune que surge sem causa e não vai mais embora, como disse disfarçar a dor com analgésico não era minha prática, mas as de muitas que dividiram a enfermaria comigo durante meu tempo de internação. Digo isso direcionando as mães porque é da condição da mulher depois da maternidade, principalmente da mulher que tem família, cuidar de todos menos de si mesma e se eu puder me atrever a um conselho, não mascarem ou menosprezem sua dor, acreditem, é preferível um dia de transtorno para conseguirem ir ao médico que virem suas vidas virarem do avesso de repente e passarem de cuidadoras a condição de paciente. Nada substitui a saúde, pensem nisso.



PRONTO FALEI: Eu sei, acabei falando muito e não falando nada do que vocês queriam saber, mas fazer o que, eu sou assim, esse controverso inesplicável de mim mesma. Foi muita coisa que vivi nesses 4 meses, não ta fácil reviver em palavras o que andou rolando e ainda rola comigo, e quando você vive o terror e consegue sair daquilo, tudo que você quer é esquecer. Então confiem, com o tempo saberão de tudo que rolou, prometo, vocês já conhecem e sabem que adoro linguiçar com verdades minhas conversas, não consigo ser resumida e direta, só para coisas que me enchem o saco ou não estou afim de falar. Só peço paciência, será um processo a long time, não sou mais rápida nas palavras nem deleito mais horas no computador,minha hiperatividade esta limitada a fazer qualquer coisa e deitar pra não ter que ficar só deitada morrendo de dor; não agüento ficar mais que estourando 30 minutos sentada, este post inclusive foi feito aos poucos, semana a semana (to até vendo, meu blog e minha coluna do GM agora decreta falência com essa velocidade kkkk). Sou uma velhinha de 34 anos, curvada, corpo doído, mãos tremulas se muito exigida e de humor oscilativo alternando entre o facilmente irritável ao sufocantemente sensível (leia-se aqui chorona, carente, depressiva... sorte de vocês a internet ser virtual e a gente poder disfarçar tudo com muitos ou contidos “kkk’s” e “rs’s” ou   e eu ainda não ter aderido ao movimento webcam time real rsss). Aguardem, I’m back!